Quer conhecer boa música? Vá aos shows
O Estado de S.Paulo
A cabo de chegar do Rio de Janeiro onde assisti à estreia carioca da turnê
Chão, o mais recente trabalho do pernambucano Lenine. O CD é cheio de
interferências sonoras que comentam e ilustram as canções. Um canário belga
chamado Frederico foi um dos responsáveis por todo esse movimento. Durante as
gravações da faixa Amor É pra Quem Ama o canário cantou loucamente, interagindo
com a melodia. Ganhou participação especial no disco e ainda levou Lenine a
buscar outras intervenções: uma cigarra, uma chaleira, uma motosserra, passos...
E, inquieto como ele é, resolveu que o show só seria perfeito se esses sons
pudessem percorrer o teatro levando para o público a experiência completa. Assim
foi. No histórico teatro Casa Grande no Leblon pude ouvir Frederico, a cigarra e
a chaleira ao lado das guitarras e outros bichos do genial Jr.Tostoi e do baixo
e outras inúmeras invenções suingadas de Bruno Giorgi, um dos filhos de Lenine e
produtor de Chão.
Esse cuidado com o espetáculo, que teve direção de arte de Paulo Pederneiras
(Grupo Corpo), reflete o cuidado com a obra e o respeito com o público. Lenine é
um desses inventores de sons, um artista completo. Um cantautor que sabe como
poucos se reinventar. E não por acaso tem na plateia um ícone como Milton
Nascimento, a voz do famoso bordão: "Todo artista deve ir até onde o povo
está".
Saí de lá pensando em tantos shows que eu já vi. Lembrei de Vanessa da Mata
que hoje canta pra milhares de pessoas, se apresentando pra meia dúzia num
teatrinho de escola de inglês na Vila Madalena. E lembrei do show de Chico
Buarque em São Paulo em grande temporada como quase nenhum outro artista faz
hoje em dia. Crônicas em profusão nos jornais. Homens enciumados falando da
barriguinha dele, mulheres suspirando por seus olhos. E os versos? Imbatíveis.
Na plateia gerações se rendendo aos encantos do nosso bardo maior. Helio
Flanders, Criolo, Cida Moreira, Karina Buhr, todos igualmente emocionados com o
mestre, aquele mesmo que já disse que a canção morreu...
Karina me contou que assistia aos shows do Chico no Recife pulando os muros e
toureando seguranças. Ela e as amigas do colégio, ainda de uniforme, também
viram o show de Tom Jobim e a Nova Banda e ganharam autógrafo numa embalagem de
biscoito.
Não há melhor ocasião pra entender a obra de um artista do que o show. Nem
mesmo os discos gravados ao vivo substituem essa experiência. É ali que se dá o
recado completo. Com o figurino, a iluminação, o cenário, a conversa musical com
os músicos da banda, e essa cumplicidade pode ser apreciada, vivenciada pelo fã.
Porque o que acontece no estúdio, ou no momento da composição, a gente só pode
imaginar. E muitas vezes, imagina errado. Exemplo divertido é de um clássico da
música pop que ganhou versão bossa and roll de Rita Lee: Every Breathe You Take,
do Police. Quase todo mundo que ouve ou cantarola essa balada pensa num
deliciosa história de amor. Pois o autor, Sting, tinha na cabeça um personagem
obcecado, quase um psicopata.
Mas é como diz nosso velho Chico, não importa se ainda estão juntos a pequena
de cabelos cor de abóbora e o senhor de cabelos brancos, o blues já valeu a
pena.
Pensando em tudo isso, termino esse texto correndo pra assistir no pequeno
auditório do Sesc Vila Mariana ao show de Gui Amabis. Produtor de muita gente
bacana da novíssima turma, ele agora se lança cantor e compositor e está fazendo
bonito. Seu CD de estreia, Memórias Luso Africanas, tem participações de Céu,
Tulipa Ruiz, Criolo, Lucas Santana, só gente boa. Vou lá pra ver. Ao vivo é
sempre melhor.
Patricia Palumbo & MPB
http://www.estadao.com.br/noticias/
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