11 canções essenciais de Vinicius de Moraes


Fernando Pacéli Siqueira
Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes formou-se em direito, foi crítico de cinema, dramaturgo, poeta de rara sensibilidade ao escrever sonetos, músico e diplomata. A seu respeito, João Cabral de Melo Neto, também diplomata de carreira, certa feita afirmou: “Vinicius de Moraes poderia ter sido o maior poeta da língua portuguesa se tivesse levado a poesia a sério e não tivesse se deixado levar pela má influência da música popular”. Mesmo assim, Vinicius de Moraes é o poeta brasileiro mais traduzido para outros idiomas.
Drummond também cunhou sua definição sobre Vinicius: “Dentre nós, ele foi o único que viveu como poeta”. Na verdade, Vinicius se desnudava enquanto escrevia, trazendo à luz toda sua inquietação pelo amor, pela melancolia, pela tristeza e pela paixão, sem lançar mão de nenhum embuste literário, descrevendo sempre os próprios sentimentos, vívidos e vividos.
Da parceria com Tom Jobim surgiriam mais de 200 composições, dentre elas “Garota de Ipanema”, “Chega de saudade” e “Insensatez” .
Certa vez, entrevistado por Clarice Lispector, disse: “Não separo a poesia que está nos livros daquela que está nas canções”. Manuel Bandeira assim o definia: “Porque ele tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e, finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos”.
Entendo que Vinicius seja um poeta atemporal, pois é sempre atual no tocante ao canto sobre o amor, a solidão e suas intempéries. A obra literária de Vinicius teve início em 1933, com a publicação do livro “O Caminho para a Distância”, mas nessa época ele já havia escrito, para os irmãos Paulo e Haroldo Tapajós, duas letras de músicas que redundaram em sucesso: “Loura ou morena” e “Canção da noite”.
Sendo um poeta dedicado à lírica de tendência social e amorosa, e tendo sido fruto de uma rígida educação católica e das influências literárias de autores como Rimbaud, Baudelaire e Augusto Schmidt, o que lhe valeu posteriormente o título de “inquilino do sublime”, dado por seu amigo Otto Lara Resende, Vinicius buscou na música a simplificação de sua obra, aproximando-a do cotidiano sem, todavia, perder o lirismo que lhe era peculiar. Rompeu com a estética e o rigor da poesia formal para impor seu estilo pessoal de se referir ao amor. Ao romper com as amarras dos rigores poéticos, Vinicius trouxe a um número bem maior de brasileiros as querelas sociais e as desproporções econômicas entre seus conterrâneos, tudo por meio de sua poesia cantada, que acima de tudo tinha o amor como mote.
Da parceria com Carlos Lyra surgiram composições como “Samba do carioca”, “Primavera” e “Marcha da quarta-feira de cinzas”, reflete todo o engajamento político dos parceiros
Vinicius era um grande melodista e compôs canções extraordinárias. Dentre elas, destacam-se “Serenata do adeus”, “Pela luz dos olhos teus”, “Valsa de Eurídice” e “Tomara”, as quais criou sozinho. Ele também dizia que parcerias eram como casamentos e deveriam durar o tempo da paixão, tendo assim se comportado tanto numas quanto noutros, sempre optando por parceiros muito mais jovens que ele. Fogem a esta regra os irmãos Tapajós, Pixinguinha, Paulo Soledade e Antônio Maria. Todos os seus demais “cônjuges” musicais eram cerca de 20 anos mais jovens.
Assim como sua vida foi totalmente antiestética social (nove casamentos não são para nenhum devoto religioso), na música também teve parceiros que em nada se coadunavam com sua verve literária. O mais invulgar de todos eles, sem dúvida, foi Adoniran Barbosa, que musicou — com muito requinte — seu poema “Bom dia, tristeza”.
A peça “Orfeu da Conceição”, escrita em 1954, tornou-se o símbolo da vanguarda do teatro brasileiro. Por causa dela, surgiria uma das maiores parcerias da história da música: Tom e Vinicius, e com eles a canção que viria a ser a primeira produzida pela dupla: “Se todos fossem iguais a você”, um divisor de águas na Música Popular Brasileira. Da profícua parceria com Tom, surgiriam mais de 200 composições, dentre elas “Garota de Ipanema”, “Chega de saudade” e “Insensatez” .
Seu próximo parceiro seria o menino Carlos Lyra, que estranhou o modus operandi de Vinicius. O poetinha lhe solicitava as músicas gravadas e depois lhe telefonava avisando que já estavam com letras e finalizadas. Uma vez, Vinicius demorou a lhe responder e, quando o fez, disse-lhe que as músicas enviadas comporiam uma comédia musical. Lyra nada entendeu, mas obedecendo aos mais velhos, concordou. Subiram a serra em direção a Petrópolis, e depois de algum tempo e de várias caixas de whisky, eis que emerge a comédia musical “Pobre menina rica”, cujo veio principal é o amor de uma menina rica por um mendigo. Da obra surgem músicas como “Samba do carioca”, “O comedor de giletes”, “Sabe você” e “Primavera”. A música “Marcha da quarta-feira de cinzas” reflete todo o engajamento político dos parceiros.
Baden Powell: parceiro em 70 canções
Logo surge Baden Powell, um violonista com nome de escoteiro, muito embora seu comportamento jamais tivesse a ver com o escotismo. Baden era um virtuose do violão, que já frequentava a noite acompanhando Dolores Duran. Vinicius o convidou para que escrevessem juntos algumas músicas. Foram 70 composições no total, sendo que mais de 20 delas compostas em três meses de hospedagem de Baden no sofá da casa de Vinicius, sob a égide do whisky — maravilhas musicais, não só pela erudição de Baden como também pela lírica restaurada de Vinicius. Músicas dignas dos ouvidos mais seletivos, com destaque para “Apelo”, “Samba em prelúdio”, “Deixa”, “Formosa”, “Pra que chorar” e os Afro-sambas.
Edu Lobo, então com 19 anos, encontra-se com Vinicius na casa de Olívia (Hime), onde também estavam Francis Hime, Carlos Lyra e Baden Powell. Olívia, que se tornou Hime, era a pessoa que congregava toda esta efervescência cultural, recebendo-os em sua casa. Começava aí mais uma parceria musical de Vinicius, com aquele que viria a ser o mais erudito dos compositores da música popular brasileira. Compuseram juntos uma dezena de canções, sendo “Arrastão” e “Canto triste” as mais notáveis. “Arrastão”, interpretada por de forma estupenda Elis Regina, ganhou o 1º Festival da Música Popular Brasileira, tornando-se um marco divisor entre a Bossa Nova e a MPB propriamente dita.
Edu Lobo: o mais erudito dos compositores da música popular brasileira
Francis Hime se formou em Engenharia. Entretanto, quando Vinicius, em visita à sua casa, o ouviu ao piano dedilhando com maestria a “Valsa de Eurídice”, disse para sua mãe: “Não o deixe se tornar engenheiro, ele é um músico!” Juntos compuseram duas canções: “Sem mais adeus” e “A dor a mais”.
Das composições com Chico Buarque, apenas duas foram compostas em dupla: “Desalento” e “Valsinha”, sendo que nesta última a melodia é de Vinicius. As demais tiveram outros parceiros além dos dois: “Gente Humilde” (Garoto), “Olha, Maria”(Tom Jobim), “Samba de Orly” (Toquinho) e “Estamos aí”(Tom Jobim e Aloísio de Oliveira). Contudo, o relacionamento com Chico se deu não só por sua capacidade musical e criativa, mas também pela amizade que havia entre Vinicius e o pai de Chico, o historiador Sérgio Buarque de Holanda.
O violonista Toquinho foi seu último e mais frutífero parceiro. A parceria surgiu por acaso, mesmo porque Toquinho iniciou como violonista numa turnê que Vinicius estava fazendo pela Argentina com Maria Creuza. Logo depois, fizeram três apresentações no Teatro Castro Alves, com o show “Assim dizia o poeta”, nome da primeira música dos dois, cantada por eles e tendo como convidada sua única parceira feminina, Marília Medalha. Neste show, cantaram “Tarde em Itapuã”, que viria a ser o símbolo de criação da nova dupla de compositores. Vinícius foi muito criticado por esta parceria: muitos sucessos e pouca qualidade musical, dizia a crítica. Contudo, continuaram a produzir juntos, freneticamente, fosse por encomenda (novelas, séries etc.), fosse pela criatividade que estava aflorada.
Toquinho: o último e mais profícuo parceiro
Ao produzirem a “Arca de Noé”, atingiram, com composições que se tornaram antológicas, um nicho cuja exploração sempre fora de qualidade duvidosa. A “Casa” foi escrita unicamente por Vinicius, e se tornou um hino de todas as escolas do País em festas de encerramento de ano letivo. Não há como falar em produção de baixa qualidade, mesmo porque tanto Toquinho como Vinicius eram excelentes em tudo que se propunham a fazer.
Em 9 de julho de 1980, Vinícius de Moraes, que fora registrado como Vinitius, dada a devoção de seu pai pelo latim, se tornou hipótese, ou seja: morreu.

A música popular entra no paraíso

Carlos Drummond de Andrade
10 de julho de 1980
Carlos Drummond de Andrade
Deus — Quem é este baixinho que vem aí, ao som do violão, de copo cheio na mão?
São Pedro — Senhor, pelos indícios, só pode ser o Vosso servo Vinicius, Menestrel da Gávea e dos amores inumeráveis.
Deus — Será que ele vem fazer alaúza no céu, perturbando o coro dos meus anjos-cantores, diplomados pela Schola Cantorum do mestre São Jorge, o Grande?
São Pedro (hesitante) — Bem… Eu acho, com a devida licença, que ele traz um som novo, mais terrestre, menos beatífico, é certo, mas com uma suavidade brasileira inspirada nos seresteiros seus avós, os quais já têm assentos cativos junto ao Vosso trono, Senhor. Coisa mui digna de Vossa especial atenção.
Deus — Hum, hum…
São Pedro — Posso continuar, Senhor?
Deus — Vá dizendo, Pedro. É sabido que você tem um fraco por essa gente que canta de noite, esteja ou não pescando, principalmente não estando.
São Pedro — Pois eu digo, Senhor, que esse baixinho aí, todo simpatia e delicadeza, é um de Vossos bons servidores na Terra, pois combateu a maldade pela ternura, a injustiça pela fraternidade, e compôs os cânticos profanos que, elevando o coração dos ouvintes, fazem o mesmo que os cânticos sagrados.
Deus (surpreso) — O mesmo?
São Pedro — O mesmo, Senhor, porque Vós permitistes ao homem trilhar a vida direta ou a vida indireta, conforme o gosto dele. Este poetinha escolheu a segunda, por inclinação natural, e manifestou à sua maneira própria o amor à humanidade, distribuindo-o de preferência, na medida do possível, a umas quantas eleitas.
Deus — Não terá sido antes dispersão do que concentração?
São Pedro — As duas coisas, mas unidas tão sutilmente! E essa unidade paradoxal, mas espontânea, produziu os hinos do amor carnal, nos quais foi glorificado o corpo que concedestes às criaturas, e por essa forma glorificou-se a Vossa divina Criação.
Deus — Menos mal, se assim foi. Então esse… como lhe chamas?
São Pedro — Vinicius, não o patrício romano, que o amor conduziu do paganismo à fé cristã, mas o de Melo Moraes, filho de pais que curtiam o “Quo Vadis”. Este nasceu diretamente para o amor, e não precisou meter-se nas embrulhadas do paganismo de Nero para achar o rumo de sua alma. Ele já estava traçado pelas estrelas de outubro, Vossas mensageiras. Vinicius nasceu com a célula poética, e esta desabrochou em cânticos variados, na voz de seus lábios e na dos instrumentos. Com estes cânticos ele encantou o seu povo. E era um povo necessitado de canto, um canto tão necessitado mesmo!
Deus — Ele deu alegria ao Meu povo?
São Pedro (exultante) — Se deu, Senhor! E para isso não precisava sempre compor canções alegres. Ia até o fundo das canções tristes, mas dava-lhes uma tal doçura e meiguice que as pessoas, ouvindo-as, não sabiam se choravam ou se viam consoladas velhas mágoas. Era um coração se desfazendo em música, Senhor. Deu tanta alegria ao povo, que até a última hora de sua vida (esta não chegou a ser longa, mas se alongou em canção) trabalhou com seu fiel parceiro Toquinho para levar às crianças um tipo musical de felicidade. Morreu, pois, a Vosso serviço, Senhor.
Deus (disfarçando a emoção) — Mande entrar, mande entrar logo esse rapaz. Vinicius entra rodeado de anjos, crianças, virgens e matronas que entoam mansamente:
Se todos fossem iguais a você,
que maravilha viver!
Uma canção pelo ar,
uma mulher a cantar,
uma cidade a cantar,
a sorrir, a cantar, a pedir
a beleza de amar,
como o sol, como a flor, como a luz,
amar sem mentir nem sofrer.
Existiria a verdade,
verdade que ninguém vê,
se todos fossem no mundo
iguais a você!
De vários pontos, vêm-se aproximando Sinhô, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Ciro Monteiro, Noel Rosa, Dolores Duran, Orfeu, Eurídice, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Portinari, Murilo Mendes, Maysa, Lúcio Rangel, Tia Ciata, Santa Cecília, Antônio Maria, Bach, Ernesto Nazaré, Jaime Ovalle, Chiquinha Gonzaga e outros e outros e outros que não caberiam neste relato, mas cabem na imensidão do céu e som, e unem-se ao coral:
Teu caminho é de paz e de amor.
Abre os teus braços e canta
a última esperança,
a esperança divina
de amar em paz!

Onze canções fundamentais de Vinicius de Moraes

O filho que eu quero ter
Tocador de áudio

“O filho que eu quero ter” é contemplada com uma melodia quase infantil, uma espécie de ornamento para a ideia da letra. Vinicius chorou muito quando compôs a letra, cujo tema foi dado por Toquinho, que lhe dizia querer ter um filho. O poema se dividiu em três estrofes, que se completavam como se contassem uma história. Dizem que Vinicius nunca conseguiu cantar a música até o fim, porque invariavelmente começava a chorar antes do final. O poema narra a saga de homem fascinado com a fantasia de ter um filho, para depois acompanhá-lo ao longo se seu crescimento e, por fim, tendo-o ao seu lado no leito de morte, ouvir a mesma canção que ele lhe cantava para ninar.
Um homem chamado Alfredo
“Coitado do ‘seu’ Alfredo, me lembro tão bem dele… Vizinho do lado, como diz a canção. Omisso, humilde… Parecia não ter passado, nem presente, nem futuro. Uma dessas figuras com as quais a vida não teve nenhuma complacência. Um solitário total. Eu não sabia até que ponto, até o ponto que o levou a se matar”, escreveu Vinicius. O poema deste samba-canção é de um realismo rodriguiano, falando sobre a vida de um misantropo inserido em uma sociedade que jamais lhe pertenceu. Uma obra-prima!
Insensatez

Música de Tom e Vinicius que se tornou um clássico, tendo sido gravada por ninguém menos que Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sinéad O’Connor, Stan Getz, Diana Krall e mais, muitos mais. Faz parte das músicas camerísticas de Tom, cuja influência chopiniana é evidente. Vinicius, por sua vez, derrama-se em lirismo na letra, ao demonstrar sua culpa e arrependimento por ter ferido alguém, culpando-se por ter sido fraco e desalmado. Todavia, ao mostrar seu arrependimento, sai em busca do perdão, revelando a necessidade de se portar de forma honesta frente ao amor. Belíssima música, cujo casamento entre melodia e poesia é de uma perfeição singular.
Valsinha

Música concebida por Vinicius de Morais, “Valsinha” recebeu letra de Chico Buarque, não sem antes receber certos ajustes por parte do poetinha. A intenção era de que ela se chamasse “Valsa hippie”. Chico, todavia, entendeu que o tal movimento era mais um modismo herdado, e não uma forma de viver. A melodia, uma verdadeira valsa, preenchida com letra de Chico, faz clara alusão ao movimento Hippie, quando diz que “ele chegou de um jeito diferente”, olhando diferente, que de repente para de maldizer a vida e em vez disso dança e ama. E Chico, com sua capacidade incomum de nos fazer ver pela escrita, assim o faz mais uma vez, ao concluir a letra desta belíssima música.
Marcha da quarta-feira de cinzas

Carlos Lyra, então um estudante engajado politicamente, membro da UNE e participante de movimentos culturais da entidade, compôs em 1963, com Vinicius, uma marcha-rancho, a “Marcha da quarta-feira de cinzas. Neste mesmo dia, por acaso, Vinicius e Lyra também concluíram o hino da UNE. Vê-se, portanto, que Vinicius já demonstrava toda sua sensibilidade quanto aos problemas sociopolíticos e culturais do Brasil, expostos de maneira figurativa em todo o poema. Desde então, uma música que poderia passar como mais uma marcha-rancho, acabou se tornando uma canção de protesto. Tal fato se concretizou ao tempo de sua inserção no show “Opinião”, como parte de uma peça teatral que representava a resistência à ditadura recém-instaurada no País. O poema incorporado à música evoca o otimismo em face de uma possível mudança histórica a ser promovida pelo povo. As técnicas estético-musicais se mantiveram harmônicas, por mais popular que se tornasse a música, graças à grande capacidade de Vinicius e Carlos Lyra.
Arrastão

Vinicius, sempre na vanguarda, começa a deixar o barco da bossa nova e busca em Edu Lobo, então com 19 anos, a inovação de que tanto precisava. A vertente escolhida foi a do regionalismo, protesto e realidade social. Era uma linha já cultuada pelos jovens da época, muito influenciados pelos movimentos sociopolíticos e culturais da UNE. Vindo de uma rígida educação católica, Vinicius adere ao misticismo, e toda a sua produção posterior se vê calcada nele, daí a explicação para o sincretismo religioso exposto no poema. A melodia já mostrava que Edu Lobo tinha vindo pra ficar e com ele, inevitavelmente, a música popular moderna, já diferente da bossa nova. “Arrastão” também mostra ao cenário artístico brasileiro uma nova estrela, Elis Regina, que a interpreta e vence o 1º Festival da Música Popular Brasileira.
Samba em prelúdio

“Samba em prelúdio” foi construída por Vinicius e Baden Powell durante um período de pouco mais de 70 dias de enclausuramento de ambos no apartamento de Vinicius, durante o qual compuseram mais de 70 músicas e sorveram nada mais, nada menos que 20 caixas de whisky. Contudo, ao mostrar a nova melodia a Vinicius, Baden se surpreendeu ao ouvi-lo dizer, constrangido: “essa música é plágio de Chopin”. Baden irritou-se profundamente, a ponto de fazer Vinicius acordar Lucinha (sua mulher, à época), que tudo conhecia de Chopin, às três horas da manhã, para que ela dirimisse a dúvida levantada. Ressalte-se que ambos já estavam na terceira garrafa de whisky. Lucinha então constatou que as notas eram originais de Baden. Vinicius, com seu costumeiro bom humor, disse assim: “Então, Baden, Chopin esqueceu de fazer essa”. Desfeito o mal-entendido, Vinicius escreveu a letra que pertence ao estágio mais romântico de toda a obra do poeta. Senão vejamos: “Eu sem você, sou só desamor, um barco sem mar, um campo sem flor, tristeza que vai, tristeza que vem, sem você, meu amor, eu não sou ninguém”.
Serenata do adeus

Música e letra de Vinicius, “Serenata do adeus”, segue uma linha melódica como a das antigas serestas, muito bem trabalhada e por demais influenciada pelas valsas. É uma autêntica seresta, evolução semântica de serenata, que é uma música sentimental cantada à luz do luar e/ou sob o sereno, para a mulher amada, desejada ou pretendida, à frente de sua casa e embaixo da janela de seu quarto. Nesta obra em particular, Vinicius deixa transparecer toda sua verve como musicista e poeta ao abusar das anáforas — sem rebuscar o poema, como era comum à época —, mas mantendo e conservando um lirismo bem dosado ao tratar do amor. Interpretação magnífica de Taiguara dentro de um arranjo maravilhoso.
Apelo

“Apelo” é uma música da dupla Baden e Vinicius e se caracterizou por ter uma erudição incomum, em se tratando de MPB. Trouxe consigo os acordes chopinianos, já criados por Tom Jobim em algumas canções. A melodia é belíssima, rica em acordes, digna do primoroso Baden Powell, um dos maiores musicistas da música popular. A poesia de Vinicius, nesta música, reflete o apelo que um dos amantes faz para que o outro volte, junto com a tristeza e a emoção que esta separação trouxe.
Bom dia, tristeza

Vinicius, quando servia em Paris como diplomata, enviou à amiga Aracy de Almeida uma carta que também trazia uma poesia de duas estrofes com a seguinte mensagem: “Faça o que quiser com ela”. Aracy, de posse do poema, entregou-o a Adoniran Barbosa, que o musicou em ritmo de samba-canção, de forma melíflua, melancólica, bem ao estilo da época. O poema trazia em seu âmago a tristeza e a amargura pela perda de um amor. Nele, o poeta exercita sua capacidade literária, abusando do conhecimento gramatical de que era possuidor. Trava com o sentimento um verdadeiro diálogo, eivado de figuras de linguagem, que dominava como poucos. É uma belíssima música, de uma parceria inimaginável, já que os reais autores não se conheciam, e que ganhou interpretações sublimes na voz de vários cantores nacionais.
Se todos fossem iguais a você

Vinicius definiu sua peça “Orfeu da Conceição” como sendo uma “tragédia carioca em três atos”, na qual ele adapta de maneira singular a história do mito grego de Orfeu. Nela, ele retrata as agruras por que passam os negros no Brasil, utilizando como cenário o morro carioca e como pano de fundo o carnaval. A trilha sonora da peça “Orfeu da Conceição” apresentou uma canção que se tornaria um dos maiores clássicos da história da música brasileira: “Se todos fossem iguais a você”. Nela Vinícius, ao contrário dos compositores da época, recorrentes em falar das “dores de amores”, enaltece em seus versos a mulher amada. Tal fato, por certo, tornou sua obra peculiar ao afastar-se da mera reprodução das provações amorosas e ao exaltar, de maneira utópica, o canto ao amor e à amada, sem preconceitos ou pieguices.







































































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