Todos ao Jazz!

Roger Lerina Roger Lerina

18/10/2017 17:57

Não é exatamente novidade, mas também não chega a ser notícia velha: o jazz se arranchou na cidade. A bem da verdade, o gênero nunca se ausentou por completo de Porto Alegre - a dieta, no entanto, foi quase espartana entre os meados dos 1990 e os princípios dos 2000. O êxito artístico e a boa recepção de público no último final de semana do Villa do Jazz parece ter selado a reconciliação entre o estilo musical e a capital gaúcha. No sábado e no domingo, em um palco apropriadamente montado bem no meio do Centro de Eventos do BarraShoppingSul, passaram oito formações da nova cena jazzística gaúcha - jovens músicos entre vinte e poucos e trinta e tantos anos. Do tradicional ao funky jazz, passando pelo "manouche" e pelo samba-jazz, do improviso sobre um tema instrumental ao standard da canção norte-americana - o evento foi uma boa amostra da variedade e qualidade da produção atual desse tipo de música aqui no Estado. Filho legítimo do POA Jazz Festival - que, por sua vez, surgiu na esteira do Canoas Jazz, cuja primeira edição rolou em 2011 -, o Villa do Jazz teve concepção e curadoria de Carlos Badia e Carlos Branco. Os dois Carlos, aliás, anunciam para os dias 9, 10 e 11 de março de 2018 o 4º POA Jazz Festival, novamente no BarraShoppingSul.

O que a renovação e revigoração do jazz por estas plagas sinaliza é que nem tudo está perdido, afinal. Se é ponto pacífico que a música nacional consumida comercialmente no país é, em geral, lamentável, por outro lado nota-se que uma fatia considerável de ouvintes e artistas teima em se interessar por sonoridades mais interessantes e ricas - como o jazz e a música instrumental. Não que estejamos vivendo uma renascença melômana: tente escutar nas rádios porto-alegrenses, por exemplo, alguma música instrumental - a exceção é a resistente FM Cultura, que há 18 anos transmite o valoroso "Sessão Jazz", programa produzido e apresentado de segunda a sexta pelo jornalista Paulo Moreira. Ninguém se ilude: a música sem letra é um nicho. Os sinais positivos, porém, são muitos e concretos, endossando se não uma euforia, pelo menos um entusiasmo poliânico com relação à ampliação por aqui do alcance da música instrumental e do jazz - cantado ou não.

A multiplicação de casas em Porto Alegre que abrem suas portas para shows desse tipo de música é uma prova de que o público não é tão ínfimo assim. Café Fon Fon, Espaço 373, Gravador Pub, London Pub & Bistrô, Odeon e Sgt Peppers são alguns dos bares que nos últimos anos têm recebido o jazz e a música instrumental - e que se juntam a espaços tipo Instituto Ling, Santander Cultural e StudioClio e a projetos como o venerável Take Five Clube de Jazz, criado pela pianista Ivone Pacheco, e o recente Chapéu Acústico. A onda se espraia para além de Porto Alegre: a já citada Canoas e Pelotas exibiram nos últimos anos seus festivais de jazz - infelizmente suspensos por enquanto -, cidades como Caxias do Sul, Canela e Gramado têm sediado shows e eventos nessa linha. Mais: essas e muitas outras cidades do Estado vêm assistindo a um crescimento lento mas consistente do circuito jazzístico e de música instrumental em suas regiões - pelo menos duas das bandas que se apresentaram no Villa do Jazz têm sua origem fora da Capital: a Manouche Manolo vem de Novo Hamburgo, a Bibi Jazz Band é caxiense.

Outra característica dessa nova turma instrumental gaúcha é o ecletismo de influências e a ausência de preconceitos estilísticos. Diferentemente do que acontecia em geral com as gerações passadas, os músicos hoje não temem a "contaminação" - ao contrário: o acordeonista que atua em festivais nativistas não se furta de tocar na banda de rock dos amigos, o bandolinista chorão grava na boa com o grupo de jazz, o trombonista toca tanto no conjunto de samba quanto na orquestra de funk e sons latinos. A confiar no interesse dessa galera antenada e desencanada - que na internet recupera as músicas de outros tempos e também se informa sobre as novidades do mundo inteiro -, o futuro da música chamada jazz está garantido.

Roger Lerina

Autor

Roger Lerina

Jornalista e crítico de cinema, integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Editou de 1999 a 2017 a coluna Contracapa (artes, cultura e entretenimento), publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora. Neste período, também atuou como repórter cultural do caderno de variedades de ZH. Apresentou o Programa do Roger na TVCOM entre 2011 e 2015 e é é autor do livro "Mauro Soares - A Luz no Protagonista" (2015), volume da coleção Gaúchos em Cena, publicada pelo festival Porto Alegre Em Cena. Foi corroteirista da minissérie "Tá no Sangue - Os Fagundes", veiculada pela RBS TV em 2016. Atua como repórter e crítico de cinema no Canal Brasil.

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