RELAÇÃO ENTRE MÚSICA E TEXTO

Música


Terminei o texto do mês passado, prometendo tratar mais da relação música e texto e, aqui, começo algumas dessas reflexões.

Antes de mais nada, é preciso que se recorde que a relação poesia e música não é nenhuma novidade no nosso mundo. Ao contrário, sua não relação é que é novidade. Explico melhor. A poesia em suas origens ocidentais grega e latina (e aqui vou tratar apenas dessas raízes, pois sobre elas que se edificou nossa arte) era palavra cantada, ou seja, não se concebia escrever um poema para ser lido em voz baixa, ou mesmo para ser recitado sem música.

Os versos clássicos subentendiam uma música e a escolha de um deles por si já definia o caráter da música. Música e poesia estavam intrinsecamente ligados, indissociáveis. A poesia então era sempre cantada e acompanhada por certos instrumentos como o aulo, a cítara, a lira, a flauta ou outros, de acordo com seu ethos, quer dizer, de acordo com o que essa pretendia provocar espiritualmente. É uma teoria complexa que não vem ao caso aqui explicá-la em pormenores.

O interessante é notar que ainda a poesia renascentista se filiava à música, ou seja, isso de se diferenciar um de outro é muito novo na nossa história. Ezra Pound em seu ABC da literatura afirma que "a poesia se atrofia quando se afasta muito da música" .

Essa história de dizer que música e letra não combinam é algo meio complicado de se defender. Vamos entender porquê. Podemos pensar em três possibilidades, a saber, um poeta que não é compositor, um compositor que não é poeta e um compositor-poeta na mesma pessoa.

Comecemos pelo último. Um compositor-poeta trabalha a música e a poesia juntos. Ele sabe o que quer dizer e como dizê-lo. Ele pode compor seu discurso poético-musical sem ter que sacrificar um ou outro. Na música popular brasileira temos excelentes exemplos disso e o que me vem imediatamente à memória é Chico Buarque. Poesia e música são um único em sua produção. Tomemos como exemplo sua canção Pedaço de Mim, parte da Ópera do Malandro. O angustioso início com a repetição da nota Fá 15 vezes, sobre acordes quase monótonos cantando, ó pedaço de mim, ó metade afastada de mim se desenrola em um discurso harmônico e melódico fluidos a partir de leva os teus sinais... É lírica pura, musical e poética.

Vamos agora para uma outra possibilidade, um compositor que não é poeta. Este quando recebe um poema para musicar, está recebendo um discurso já pronto e se é perito na sua arte não fará uma música com um discurso avesso ao texto, vai apenas evidenciá-lo. O contrário se aplica quando se tem a música e a ela quer se acrescentar um texto. Já há um discurso pronto a ser seguido. Quando as coisas nao combinam, um dos dois nao é bom.

Quanto a isso de língua mais musical que outra, como disse no texto anterior, é algo muito difícil de ser defendido. Cada língua apresenta uma musicalidade distinta, condicionada pela necessidade de comunicação do seu povo. Essa musicalidade não é imposta, mas modada por seus falantes. Daí que não importa se tem muitas vogais ou consoantes na palavra para ser mais ou menos musical.

É bom lembrar que quando dizemos de uma língua algo como ser musical ou não falamos do nosso ponto de vista, a partir da nossa experiência e de nossa língua. Não sei se um norueguês acha sua língua pouco musical, principalmente quando canta uma canção de ninar para seu filho dormir. A mesma canção que ouviu de sua mãe quando também criança e que lhe ficou como a melodia mais doce que jamais ouviu.

Boas canções de ninar!

João  Sebastião  Ribeiro (Músico)

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