MAR abre exposição “O Rio do samba: resistência e reinvenção”


Mostra tem abrangência monumental, e flerta com a Antropologia e a Sociologia

Jornal do BrasilMÔNICA RIANI monica.riani@jb.com.br

A exposição “O Rio do samba: resistência e reinvenção” será inaugurada hoje, às 16h, no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, com entrada franca. Sob a curadoria de Nei Lopes, Evandro Salles, Clarissa Diniz e Marcelo Campos, a mostra tem abrangência monumental, flerta com a Antropologia e a Sociologia, engata nas artes visuais e mergulha em muita história para criar um longo caminho do século XIX ao XXI.

A intenção é construir um discurso multidisciplinar original sobre a estrela da hora. Para marcar a inauguração, às 20h, haverá apresentação de Martinho da Vila. Documentos, objetos históricos, indumentárias, instrumentos, mobiliário, além de quadros de Debret, Portinari, Djanira, Heitor dos Prazeres, Lasar Segall e Guignard, entre outros, dividem espaço com fotografias de Marcel Gautherot, Walter Firmo, Evandro Teixeira, Bruno Veiga e Wilton Montenegro. Parangolés de Helio Oiticica e a instalação de Carlos Vergara também estão no circuito que o público poderá apreciar até 2019.

João da Baiana tocando prato

O MAR comemora cinco anos com a exposição. Até 28 de maio, a entrada é gratuita. Depois, custará R$ 20. Os organizadores estimam que cerca de 800 peças formam o panorama dedicado ao samba carioca, elevado à categoria de Patrimônio Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2007.  Três pavimentos estão inteiramente cobertos, do piso ao teto,  pelas joias da mostra. Fica a dica: é preciso fôlego para contemplar todo o circuito de uma única vez. Uma enxurrada de informações banha o espectador, num entrelaçamento de saberes vertiginoso. Os segmentos que estruturam a narrativa são “Da herança africana ao Rio negro”, “Da Praça XI às zonas de contato” e “O samba carioca, um patrimônio”.

No piso de pedras portuguesas, na área externa do Museu de Arte do Rio, está o ponto de partida de “O Rio do samba: resistência e reinvenção”. Precisa olhar para baixo. É que a intervenção do artista Jaime Lauriano está nas pedras portuguesas, superfície sobre a qual ele escreve nome de nações africanas. Na pilastra do hall, especialmente pintada de preto para a ocasião, um texto de Lauriano contextualiza a intervenção. “Um dos principais símbolos da invasão e colonização portuguesa, o calçamento português assentava a chegada dos colonizadores ao Novo Mundo. Era comum que a mão de obra utilizada fosse de pessoas escravizadas”, afirma. 

No terceiro andar, a exposição entra na Avenida. É samba para ler e admirar à vontade. A única alusão audível ao protagonista da mostra é uma peça sonora, composta pelo músico Djalma Corrêa, inspirada na batida do coração. Daí em diante, descortina-se uma espécie de inventário único.

A primeira parte dos três segmentos, “Da herança africana ao Rio negro”, trata da trajetória de indivíduos oriundos, através da escravidão, de diversas nações africanas até a chegada no Brasil.  Neste módulo, é possível conhecer objetos usados pelos negros na lavoura, como o pão de açúcar - utilizado para carregar o produto e que, por seu formato, deu origem ao nome que inspirou o nome ao ponto turístico do Rio.

Estão aí também instrumentos do candomblé que se confundem com os do samba, manifestações como o jongo e a congada. Entre os destaques, há as estátuas dos “Escravos de ganho” (que vendiam miudezas de seus donos, de mingaus a ervas),  gravuras de Debret, cadeiras da congada e outros elementos.

Artefato utilizado nos engenhos, o pão de açúcar inspirou o nome do ponto turístico do Rio

Curador e diretor cultural do MAR, Evandro Salles ressalta que a exposição não é cronológica. “Abordamos aqui a história social do samba desde o Brasil Colônia”, pontua. A curadora Clarissa Diniz explica o conceito que ajudou a formar o pensamento da mostra. “Assim como as outras exposições que dedicamos à cidade, ‘O Rio do samba’ é criada a partir de aspectos do nosso imaginário social. O samba é um desses principais pilares da identidade do Rio”, explica.

O segmento “Da Praça XI às zonas de contato” focaliza o fluxo da população para os subúrbios, com o desenvolvimento da linha férrea, que deu origem à Estação Primeira de Mangueira, entre outros aspectos ilustrados por fotografias de rodas de samba no morro, registradas por Marcel Gautherot, figurinos criados por Di Cavalcanti para o balé “Carnaval das crianças brasileiras”, de Heitor Villa-Lobos. Há também referências a Noel Rosa e às muitas gerações do samba.

O prato original usado pelo cantor, compositor e passista João da Baiana está entre os destaques desta parte da exposição. Uma parede dedicada à Zona Portuária - repleta de fotos e obras de arte - lembra a importância dos estivadores na configuração das escolas de samba. “Um dos primeiros sindicatos da cidade é o dos estivadores e a disciplina da categoria inspira os sambistas”, conta Evandro.  Enchem os olhos  o pandeiro da coleção do Almirante, um tamborim quadrado e uma cuíca dos anos 1920, ao lado deum agogô e das pequenas frigideiras, clássicos do samba de raiz. “A Pequena África vai se formando entre a Zona Portuária e a Praça XI”, diz o curador.

Registro histórico das primeiras baianas

O núcleo “O samba carioca, um patrimônio” abriga a transformação do samba em espetáculo, a volta dos quintais do samba, a revitalização da Lapa através das casas noturnas, onde ressurgiram as rodas, como o Bar Semente. O ápice foi a oficialização do samba como patrimônio cultural imaterial. Vale a pena conferir as fotos das obras de Joãosinho Trinta para os desfiles das escolas de samba. O ponto alto é uma imagem inédita do “Cristo-mendigo”, sem o plástico preto que cobriu a alegoria no polêmico desfile da Beija-Flor de 1989. A evolução da indústria fonográfica é representada  na parede, em que 70 capas de discos raros e fotografias que se relacionam com a produção. As fotos são assinadas por Bruno Veiga e, neste trecho da exsposição, será exibido um filme inédito do cineasta Lula Buarque, produzido especialmente para a mostra.

O percurso é concluído no térreo, onde a instalação “Carnaval! O grito de quê?” une Leandro Vieira, carnavalesco da Estação Primeira de Mangueira, ao artista Ernesto Neto. A obra é formada por uma cabeça gigante que, a depender da interpretação, pode estar gritando de dor ou gargalhando, com sua imensa boca aberta. Está suspensa do chão por uma rede de crochê (marca das obras de Neto). Um fio negro foi incluído na trama, em alusão ao assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no Estácio, ocorrido durante a construção da peça. Ao redor, oito surdos de marcação podem ser tocados pelo público. Na parede, a hashtag #VIDASNEGRASIMPORTAM aparece carimbada na superfície. “A comemoração dos  90 anos da Estação Primeira de Mangueira, no mesmo dia da abertura da mostra, é um motivo a mais para celebrarmos”, diz Leandro Vieira.

Nesta reta final do percurso, vários sambas poderão ser ouvidos pelo público. A produção está estudando a possibilidade de fazer um karaokê também. As peças vêm de várias instituições. De São Paulo, do Museu de Arte de São Paulo (Masp), da Pinacoteca, da Coleção Itaú e do Museu Afro Brasil, que cederam obras de suas coleções. Do Rio de Janeiro, pertencem aos acervos do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Museu da Imagem e do Som, Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional,  Museu Villa-Lobos, além de coleções particulares. 

Jornal do Brasil

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As 10 melhores músicas dos Ramones

TOQUE DE SILENCIO - VOCÊ SABE A HISTÓRIA ATRAZ DESSE HINO?

Diferenças entre conservatório e faculdade de música