O jazz concebido na Ponte Williamsburg, a Sonny Rollins Bridge

18/08/2017 - 01h20

Sonny Rollins (Foto: theparisreview.org)Sonny Rollins (Foto: theparisreview.org)

O saxofonista Sonny Rollins, era um músico de muito prestígio na cena jazz norte americana, em 1959. Para surpresa de todos, naquele ano decidiu largar gravações e shows e sair do circuito. Ele achava que não era um músico tão bom como diziam e que precisava se dedicar mais à prática do saxofone. O local escolhido para suas exercícios também surpreendeu, quando descoberto: a Ponte de Williamsburg, que liga Manhattan ao Brooklin.

Sozinho, sobre o East River, podia soprar o saxofone com toda a potência de seus pulmões, porque não iria incomodar ninguém. No prédio onde morava, no Lower Est Side, os vizinhos não aguentavam as horas e horas de ensaios do músico. O estágio na ponte, visava poupar, especialmente, uma das moradoras, que tinha uma gravidez difícil e precisava de repouso.

Havia dias em que Rollins praticava por mais de 15 horas. Ele conta que essa sua rotina se repetia tanto na primavera como no verão, outono e inverno. “Lá em cima da ponte, você está no topo do mundo”, conta o músico. “Olha em volta e vê o horizonte, embaixo a água da baía, é uma vista maravilhosa. E enquanto você toca, pensa, medita e tem uma visão completamente diferente do mundo”.

Sonny Rollins ficou três anos afastado dos palcos e voltou aos estúdios em 1962, para gravar alguns dos temas que compôs nesse período sabático. A música que dá nome a esse álbum é exatamente The Bridge (A Ponte). Foi gravada com o quarteto formado por Jim Hall na guitarra; Bob Cranshaw no baixo; Ben Riley, na bateria; com Rollins no sax tenor.

Hoje, aos quase 87 anos, que completará no dia sete de setembro, Sonny Rollins é um dos dois últimos remanescentes da geração que revelou alguns dos nomes mais importantes do jazz, como Miles Davis, John Coltrane e Thelonious Monk. O outro é o também saxofonista Benny Golson. Eles são os únicos músicos vivos, dos 57 artistas retratados na famosa foto de 1958, A Great Day in Harlem, que ilustrou uma matéria sobre o jazz, publicada na revista Esquire.

Sonny Rollins ganhou seu primeiro saxofone aos oito anos de idade. Ainda menino, começou a estudar o piano e depois o sax alto. Aos 16 anos passou para o sax tenor, o instrumento que o consagrou. Adolescente, costumava usar o lápis de sobrancelhas de sua mãe para pintar um bigode falso no rosto. Com isso, parecia mais velho e conseguir entrar nos clubes de jazz da 52nd Street, proibido para menores. Era lá que ele ia ouvir os grandes ídolos Charlie Parker e, especialmente, Coleman Hawkins, a quem buscava imitar com seu sax.

Aos 17 anos, Rollins já se apresentava profissionalmente. Estreou em estúdio em 1949, acompanhando o cantor Babs Gonzales. Nos anos seguintes, gravou com Miles Davis, Charlie Parker, Thelonious Monk e o Modern Jazz Quartet. “Eu fui muito afortunado de poder tocar com esses deuses da música”,  relembra Sonny Rollins. “Olho para trás e vejo que toquei com Coleman Hawkins, Dexter Gordon, Ornette Coleman, Dizzy Gillespie e toda essa gente incrível, isso é fantástico”.

Sonny Rollins foi pioneiro em usar uma formação de trio sem piano para acompanhar o saxofone solo, que foi depois seguido por Ornette Coleman. Ele considerava que o piano lhe tirava a liberdade do improviso porque era quase impossível não seguir sua liderança. A seu ver, tudo o que precisava era que o baixo e a bateria lhe garantissem o ritmo, deixando sua mente livre para criar os improvisos.

O primeiro álbum que Sonny Rollins gravou com o trio sem piano foi Way Out West (1957), com Ray Brown, no baixo; e Shelly Manne, na bateria. O repertório traz a leitura jazz de alguns temas de country, além de clássicos já consagrados como There is no greater love.

Em 70 anos de carreira profissional, Sonny Rollins gravou mais de 60 discos como líder. Flertou com todos os estilos e gêneros musicais, sem nenhum preconceito. Aproximou-se muito do latin jazz e do rhythm’nblues, e mesmo do rock and roll. É de Sonny Rollins o emblemático solo de saxofone que se ouve na canção dos Rollings Stones Waiting on a Friend, do álbum Tattoo You (1981), que ele gravou sem os créditos.

Entre seus trabalhos como líder, podemos ressaltar o álbum de 1995, para o selo Milestone, Sonny Rollins +3. Revezando diferentes integrantes, ele manteve a formação do quarteto em todo o repertório. Desse disco vale ressaltar sua versão para o clássico, lançado por Dinah Washington, What a diference a day made.

Sonny Rollins foi premiado em 2004 com o Grammy Especial pelo Conjunto da Obra e em 2015 o álbum The Bridge foi introduzido no Hall da Fama do Grammy. Em Nova York, foi iniciada uma campanha para mudar o nome da Ponte Williamsburg para Ponte Sonny Rollins em sua homenagem. Com problemas respiratórios, Rollins está afastado dos palcos e das gravações desde 2012.

No vídeo a seguir temos uma de suas últimas e mais vibrantes apresentações. Foi realizada no Festival Jazz a Vienne, em 2011. São os dois temas que fecham o bis daquela sessão, Don't Stop The Carnival e Tenor Madness. Sonny Rollins está no sax tenor; com Peter Bernstein, na guitarra; Bob Cranshaw, no baixo; Kobie Watkins, na bateria; e Sammy Figueroa, na percussão.

Flávio de Mattos

Flávio de MattosJornalista, escreverá aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso - O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço: senado.leg.br/radio

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