Ouviram do Ipiranga, da Argentina, da França...

O maior encontro entre futebol e música se dá segundos antes das partidas. Então, preste atenção nos hinos. Eles podem ser reveladores

HÉLIO DE LA PEÑA - O Estado de S.Paulo

Todo jogo, a mesma coisa. Os jogadores se perfilam em campo, uns em posição de sentido, outros com a mão direita no coração, alguns choram, outros procuram sua imagem no telão do estádio. Tem jogador que até canta. É hora do hino nacional. O torcedor em casa dificilmente assiste. Ou foi ao banheiro, ou está pegando a cerveja, às vezes ainda está procurando onde meteu o danado do controle remoto. Portanto, não tem chance de analisar detidamente o teor dos hinos dos países. Faço aqui uma breve apreciação de alguns hits do momento.

África do Sul. Ao contrário do que se poderia imaginar, não é tocado por uma orquestra de vuvuzelas. É uma verdadeira colcha de retalhos. Mistura o hino nacional do governo do apartheid com o hino popular do Congresso Nacional Africano, do Mandela. Uma espécie de PMDB dos hinos. E também uma verdadeira Torre de Babel, pois inclui versos em cinco idiomas: xhosa, zulu, sesotho, africâner e inglês. Ou seja, se você flagrar um jogador calado, não se espante, ele pode não dominar a língua daquela estrofe.
Como outros, este hino pede proteção a Deus, a união de seus filhos e liberdade. Faltou incluir alguns versos que clamasse por um time um pouco melhor. Mas o Parreira ficou de escrever essa parte.
França. É o maior hit de todos os tempos. Você pode não saber o que significa, mas certamente já o ouviu em mais de uma ocasião. Não se refere a seus principais produtos, como o vinho, o queijo, a baguete e o perfume. É um hino de guerra, que convoca seus cidadãos a pegar em armas, a se rebelar contra a tirania. "Ouvis nos campos rugirem/Esses ferozes soldados?" Estes versos remetem à Revolução Francesa, mas no contexto atual, parece se dirigir à tirania da Federação Francesa de Futebol. E que ferozes soldados seriam estes que rugem no campo? Para mim, o hino está falando claramente do Anelka.
Acho que a crise da seleção francesa começou antes de a bola rolar. Notem a passagem: "Franceses, em guerreiros magnânimos / Carreguem ou suspendam seus tiros!" Não estaria o hino conclamando os jogadores a fazer uma greve? Acho que deveriam tocar apenas a parte instrumental da canção para não mexer com a cabeça quente dos atletas. A coisa já estava mais feia que a cara do Ribéry.
Inglaterra. Mesmo quem nunca estudou inglês conhece os primeiros versos da canção que representa a nação britânica. A primeira vez que ouvi este hino, entendi errado, achei que era cantado "God save the Queen", em referência à banda inglesa Queen. Mais tarde, corroborando meu equívoco, pensava que os fãs falavam de como o grupo poderia sobreviver à ausência de seu band leader Freddie Mercury.

Na verdade, "God Save The Queen" ou "Deus salve a Rainha" pede longa vida à bondosa rainha. E deu certo! Elisabeth, a rainha mãe, já completou 101 anos, passou por diversas turbulências familiares, testemunhou as trapalhadas do Príncipe Charles, o funeral de Lady Di e sonha fazer com Niemeyer uma viagem no Cruzeiro do Rei.

Argentina. O hino dos hermanos é pouco ouvido pelos brasileiros. A maioria está xingando a seleção portenha à medida que eles aparecem perfilados em close na tela. O hino já começa com a tradicional arrogância que caracteriza nossos vizinhos: "Ouçam, mortais, o grito sagrado/ Liberdade! Liberdade! Liberdade!" Mortais, pelo visto, somos nós, os cidadãos do resto do mundo que não tiveram o privilégio de nascer argentinos. Em outra passagem, eles repetem três vezes, como se estivessem espirrando: "E os livre do mundo respondem: / Ao grande povo argentino, saúde!"

Nas solenidades, convencionou-se cantar apenas a primeira e a última estrofes, já que o hino é um tanto longo. Recentemente, alguns poetas têm se reunido para propor uma alteração e incluir uns versos em que os argentinos possam cantar seu principal mantra: "Maradona é melhor do que Pelé."

Brasil. Nosso hino é o mais difícil de todos. Procurei em diversos sites mas não consegui uma boa tradução. É uma letra confusa, cheia de palavras que ninguém usa, como lábaro, garrida, fúlgido, impávido. Os jogadores deveriam cantá-lo com a mão direita no coração e a esquerda no dicionário.

De qualquer forma, é possível perceber que nosso hino tem uma bela melodia. Além disso, tem profunda identificação com o espírito brasuca. Já começa com um jogo de empurra: "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas..." Quem ouviu, afinal? Ninguém assume! O "heroico brado retumbante" foi dado às margens do rio Ipiranga, não tinha ninguém ali!

Nosso hino enaltece nosso "formoso céu, risonho e límpido", "nossos lindos campos têm mais flores/nossos bosques têm mais vida...". É um verdadeiro book que convida os turistas a conhecer nosso país. Faltou citar as praias maravilhosas e, claro, as formosas popozudas que a tantos encantam.

Mesmo tendo sido composto no século 19, o Hino Nacional não deixa de citar nossa mais execrável casta, a dos políticos de Brasília. A quem mais estaria se referindo quando canta em seus versos: "Dos filhos deste solo és mãe gentil" ou "Nossas vidas no teu seio, mais amores..."? É ou não é uma clara referência às mamatas que tanto abominamos? Pois é, minha gente, nosso hino também acaba em pizza...

HELIO DE LA PEÑA É HUMORISTA, INTEGRANTE DO GRUPO "CASSETA & PLANETA", DA TV GLOBO

Tópicos: , Cultura, Versão impressa
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