Ciência Musical - Crônica

CRÔNICAS  DO  MOTTA

No panorama desolador da música popular brasileira atual, em que os ídolos ou são os mesmos de 30 anos
atrás ou expoentes do que pior existe na indústria de entretenimento, é inconcebível que grandes artistas vivam um dolorido ostracismo.


Um exemplo da burrice ímpar que impera nesse território é Paulo Vanzolini, que mereceu dias atrás uma tímida homenagem no Sesc Pompéia, em São Paulo.

No alto dos seus 80 anos, Vanzolini é dono de uma obra pequena, mas única. Tem dois sucessos populares, Ronda e Volta por Cima, regravados dezenas de vezes, mas inúmeras outras composições notáveis, atemporais, de melodias simples e letras elaboradas, perfeitas. Jóias como Samba Erudito:

"Andei pelas águas/como São Pedro/como Santos Dumont/fui aos ares sem medo/fui ao fundo do mar/como o velho Picard/só pra me exibir/só pra te impressionar/Fiz uma poesia/como Olavo Bilac/soltei filipetas/pra te dar um Cadilac/mas você nem ligou/pra tanta proeza/pôs um preço tão alto/na sua beleza/E então como Churchill/eu tentei outra vez/você foi demais/pra paciência do inglês/aí me curvei/ante a força dos fatos/lavei minhas mãos/como Pôncio Pilatos."

Ou Falta de Mim:

"Vendo-te assim/com os puros sinais/da falta de mim/em pleno apogeu/morrendo de tédio/e o remédio sou eu/eu que estou sempre perto/e só quero por certo/ser seu/mas você não quer nada/desorientada/só quer apogeu/diz que chegou onde quis/graças a Deus/que o sucesso é o que deseja/estranha que amargue a boca/que já não lhe beija/que ardam em seco os olhos/sem os meus/com a muita raça que tem/leva essa farsa/até o fim/mas traz escrita na testa/a falta de mim."

Vanzolini nunca fez marketing, sempre levou a carreira de compositor popular quase como um hobby (zoólogo, hoje aposentado, é referência entre os cientistas brasileiros). Gravou apenas dois LPs e em 2002 a Biscoito Fino lançou uma caixa com 52 músicas das pouco mais de 60 que compôs - algumas em parceria.

Tem fãs declarados, como os artistas da família Buarque de Holanda. E está aí, à disposição de quem queira divulgar suas pequenas obras-primas.

"Mas ninguém pense/que não estou muito consciente/de que fundamentalmente/não existe diferença/entre morrer pela crença/e ser igual a toda gente/é tudo um sonho, tudo uma/sombra, uma idéia/autor, ator e platéia/espero que o pano caia/pra sair batendo palma/ou romper na maior vaia/ou dizer muito ao contrário/que espetáculo tão frouxo/nem merece comentário." (Samba Abstrato).


Carlos Motta                           - é jornalista profissional diplomado e está na ativa desde a década de 70. Não acredita em jornalismo imparcial

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