ARTIGO

O "Velho" Hino

Nestor de Hollanda Cavalcanti

Há alguns anos atrás, como é de praxe, antes de um amistoso da seleção brasileira de futebol numa capital nordestina, foram executados os hinos do país adversário e o nacional brasileiro. Um espectador, sorridente e orgulhoso, comentou em bom e alto som, para registro geral:

- Este dobrado é bom como o quê!

Foi em abril de 1831, quando da abdicação de Pedro I , que o hino composto por Francisco Manuel da Silva (1765-1865) - compositor, regente e professor - teve sua primeira execução. Era o dia 13 do mês e a família imperial estava de partida para Portugal. Na ocasião, a melodia apareceu com letra de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva e continha crítica aos portugueses. Em 1841, na coroação de Pedro II, o mesmo hino foi executado novamente, com uma letra de autor desconhecido, uma adaptação da primeira letra, agora, bajulando o novo imperador.
E até a proclamação da República, o hino foi executado em solenidades civis e militares, sem letra, e sem ter sido oficializado como Hino Nacional. Apesar disto, foi adquirindo popularidade e oficiosamente era considerado o Hino Nacional.

Louis Moreau Gottschalk, compositor e primeiro pianista americano a alcançar renome internacional, obteve um êxito sem precedentes quando, em 1869, apresentou no Rio de Janeiro em dois grandes concerto públicos, sua obra, com 650 executantes de orquestra e banda e mais de 100 instrumentos de percussão, intitulada Grande phantasie triomphale sur l’hynne brésilien.

Conta-se também que o coronel Tibúrcio Ferreira, baleado na batalha de Tuyu-cué, tendo recebido a notícia de que o inimigo tinha tomado a bandeira do seu batalhão, largou o curativo que fazia em si mesmo e, num sublime esforço, monta seu cavalo, reune seus soldados e manda executar o hino de Francisco Manuel da Silva, gritando:
- A morte de todos ou bandeira. Quem for brasileiro me acompanhe.
E o batalhão, movido pelo sentimento patriota gerado pelo hynne brésilien, parte para a luta e, vitorioso, recupera o emblema nacional.

Entretanto, apesar de todo reconhecimento popular, em 20 de janeiro de 1890, exatamente 66 dias após a proclamação da República, em pleno Teatro Lírico do Rio de Janeiro, foi realizado um concurso para a "Classificação de um Hino para a República". Participaram do concurso hinos de autoria de compositores de renome, como: Francisco Braga, Jerônimo de Queiroz e Alberto Nepomuceno. O hino de Francisco Manuel não entrou no concurso. Mas, depois de executados os hinos concorrentes e escolhido o de Leopoldo Miguez, o marechal Deodoro da Fonseca teria dito aos seus botões ou a botões vizinhos:
- Prefiro o velho.

Não se sabe ao certo se o regente escutou o comentário presidencial. No entanto, ele baixou a batuta dando a entrada e a banda, mesmo sem partitura, atacou o velho hino, sob a aclamação da platéia presente. Então, ali mesmo, foi assinado e lido o Decreto nº 171, cujo artigo primeiro oficializava como Hino Nacional, a composição de Francisco Manuel da Silva. O de Leopoldo Miguez, com versos de Medeiros e Albuquerque, ficou sendo o Hino da Proclamação da República.

A letra atual somente apareceu em 1909. Foi escrita pelo poeta e escritor Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927). Foi dada entrada no Congresso sob a forma de "Projeto de Letra para o Hino Nacional". Mas, após algumas modificações feitas pelo próprio autor, somente foi aprovada, a 21 de agosto de 1922 pelo Decreto Legislativo nº 5.529, que autorizava o Executivo a adquirir, pela importância de cinco contos de réis, a propriedade plena e definitiva da letra do Hino Nacional, tornando-a, assim, oficial. E isto foi feito através do Decreto nº 15.671, de 6 de setembro de 1922, assinado pelo presidente Epitácio Pessoa.

Mais adiante, em 1937, estabeleceu-se uma comissão para estudar e rever a música e a letra do Hino Nacional. O que foi feito, em 1942. Atualmente, é o Decreto-Lei nº 5.700, de 1º de setembro de 1971, que dispõe sobre a forma e apresentação dos símbolos nacionais, onde são estabelecidas as normas para a sua execução. Nas instrumentações de orquestra e banda, ficou integrada a marcha batida, já em uso, da autoria do mestre de música Antão Fernandes, sendo obrigatória a tonalidade em si bemol para a execução instrumental simples. Para a execução vocal, sempre em uníssono, foi mantida e adotada a adaptação vocal de Alberto Nepomuceno, em fá maior.

Seja em fá ou em si bemol, o certo é que, há mais de um século, nós brasileiros acompanhamos o coronel Tibúrcio e, como o marechal, também preferimos o velho.

- Este dobrado é bom como o quê!

Nestor Hollanda Cavalcanti
Artigo transcrito do Site O CORETO do maestro Rocha Sousa
www.bandasdecoreto.hpg.ig.com.br

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